Qual a importância da preservação da terceira igreja mais antiga do Natal?
Júlia Chaves Nunes de Carvalho
Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura e Conservação e Sócia efetiva do IHGRN.
A Igreja Santo Antônio, também conhecida como Igreja do Galo, é a terceira igreja mais antiga de Natal e um dos exemplos mais notáveis da arquitetura barroca no Rio Grande do Norte. Erguida em 1766, esta igreja possui uma rica história, tendo sido palco de inúmeros momentos marcantes na vida de inúmeras gerações de potiguares. Mesmo os habitantes locais reconhecendo o valor cultural, arquitetônico e histórico da igreja, a mesma enfrentou sérios problemas de conservação no final do ano passado, com risco para a integridade principalmente de sua torre. É portanto, imprescindível que façamos uma viagem pela história desta importante edificação do RN para compreender por que devemos preservar a Igreja Santo Antônio.
Os séculos XVI e XVII foram marcados por guerras sistemáticas, principalmente entre os portugueses e os povos originários, pela invasão holandesa e por uma profunda estagnação populacional e econômica na região. Porém, no século XVIII ocorreram mudanças neste cenário, em grande parte relacionadas com o crescimento da atividade pecuária, que proporcionou integração e abastecimento das províncias, a prosperidade ainda maior da cana-de-açúcar, e um período de ‘estabilidade relativa’ da ordem, como resultado infeliz de séculos de guerra e epidemias que dizimaram diversas populações indígenas. Estes fatores levaram a um contexto de expansão territorial, populacional e econômica, permitindo assim a construção da Igreja do Galo com uma arquitetura barroca inovadora e dimensões imponentes que a diferenciavam das demais construções locais.
O local escolhido para a construção deste novo templo religioso também foi estratégico. Era conhecido como Caminho do Rio de Beber Água ou Caminho de beber, por ser tratar da via de conexão entre o núcleo urbano e a principal fonte de água que abastecia Natal. Por isso, era uma localização importantíssima para a população desde o início de sua formação e, consequentemente, um local bastante requisitado para fixar moradia. Quando a Igreja começou a ser construída por volta de 1763, o caminho se transformou em rua e passou a ser chamada de Rua Santo Antônio, em homenagem ao tempo, tendo este nome até os dias atuais. A terceira igreja mais antiga do Natal, construída após a Antiga Catedral e a Igreja N. Sra. do Rosário dos Pretos, foi finalmente inaugurada em 1766, como consta na inscrição acima da porta central do templo.
Outra inscrição, localizada acima da porta principal da única torre sineira, indica a construção da torre na lateral da nave central em 1799. A torre tem um topo arredondado, coberto por azulejos e encimado por um galo de bronze que foi doado por Caetano da Silva Sanches, devoto de Santo Antônio e então Capitão-Mor da capitania do Rio Grande. Por causa deste adorno, o templo logo passou a ser conhecido também como “Igreja do Galo”. No século seguinte, em 1836, o Corpo de Polícia do RN foi criado e o primeiro quartel policial foi instalado em parte da edificação da Igreja. Acredita-se que o prédio anexo foi construído neste período para servir como alojamento aos policiais. Este fato rendeu outro nome para o templo, que passou a ser conhecido também como Igreja Santo Antônio dos Militares.
Em 1930, alguns anos após os militares deixarem a edificação, a Congregação Marista em Natal iniciou as atividades do Colégio ‘Santo Antônio’ na edificação anexa à Igreja do Galo. De acordo com o Professor Tarcísio Medeiros (2001), que fez parte da segunda turma do Colégio Marista até sua formatura em 1935, esta instituição de ensino tradicional possuía no térreo do anexo as salas de aula, refeitório, enfermaria, cozinha e pátios internos e externos com grandes alpendres. Já na parte superior, encontravam-se a sacristia da própria igreja e o dormitório dos Irmãos Marista. O Colégio permaneceu no complexo da Igreja Santo Antônio por 9 anos, quando em 1939 transferiu a sua sede para o prédio que acabara de ser inaugurado na Rua Apodi.
Em1946, a edificação anexa passou por outra reforma, desta vez para abrigar as instalações do Convento Santo Antônio, função que mantém até os dias atuais. Já em 29 de abril de 1983, a Igreja foi tombada pela Fundação José Augusto à nível estadual e o Museu de Arte Sacra foi instalado na ala lateral do templo católico para exibir ao público os artefatos sacros históricos do Rio Grande do Norte. Mais tarde, em 15 de novembro de 2017 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombou, a nível nacional, o perímetro compreendido como Centro Histórico de Natal, que inclui a igreja e o anexo.
Ao analisar a arquitetura da Igreja de Santo Antônio, é possível compreender o contexto histórico do período em que foi construída. O Barroco, um estilo europeu importado pelos colonos portugueses no século XVII, moldado pela cultura local e impulsionado pelo Ciclo do Ouro, espalhou-se pela costa brasileira no século XVIII. No entanto, no RN, o estilo chegou de forma mais discreta e tardia, já que a província estava apenas começando a se expandir após séculos de estagnação e guerras. Embora possua uma planta baixa e fachada mais simples, em comparação com exemplos de Minas Gerais e Recife, a Igreja de Santo Antônio consegue exibir com maestria sua essência barroca e é um dos exemplares mais importantes e belos deste estilo no Rio Grande do Norte.
O templo apresenta diversas características típicas da arquitetura barroca, que tanto influenciou na construção do Brasil colonial. A fachada é composta por cinco módulos, nas laterais (em amarelo) encontram-se a torre sineira e a ala lateral oposta sem torre. No centro há o módulo central (em vermelho), que marca a simetria da edificação e que possui esquadrias com dimensões maiores que as demais, e ao seu lado estão os outros 2 módulos (em azul) que compõem a fachada. O frontão curvilíneo, com suas formas orgânicas, volutas, decorações com massa e crucifixo ao centro, é típico da arquitetura barroca. A torre sineira única e quadrangular possui uma cobertura circular abobada no topo, revestida por azulejos e que serve como base para o galo de bronze. Estes e outros elementos estão descritos na imagem abaixo:
Infelizmente, no final de 2023, a Igreja do Galo estava em um estado precário de conservação. Este fato, motivou a minha visita ao local por pedido do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, que havia sido alertado da situação da Igreja pelo procurador e poeta Lívio Oliveira. Durante a visita acompanhada pelo Frei Diniz, em Outubro de 2023 observei vários problemas na fachada frontal, principalmente na torre, onde os azulejos que cobriam a cúpula estavam rachados ou faltando, e havia a presença de plantas e mofo. Internamente, tanto no coro quanto na torre, haviam vários pontos de infiltração que levavam à descamação das paredes e tetos, rachaduras e até pedaços faltando. Além disso, verificou-se a presença de mofo nas paredes internas e as estruturas de ferro de restaurações posteriores expostas em muitos lugares. Outro grande problema é o Museu de Arte Sacra, importantíssimo para a história religiosa do RN, que está fechado ao público há muitos anos devido à falta de manutenção em sua estrutura e acervo.
Diante deste cenário, o IHGRN apresentou a situação de deterioração avançada ao Conselho de Cultura do Estado, que imediatamente contatou a Fundação José Augusto. Felizmente em visita recente à edificação, por volta de janeiro de 2024, foi possível notar que a fachada do prédio anexo à igreja encontra-se em reforma, e de acordo com um funcionário do local, esta obra irá abranger também a fachada da edificação da igreja e sua torre. Contudo, o funcionário demostrou sua insatisfação com o fato que esta reforma ainda não tem previsão de contemplar o Museu de Arte Sacra.
A Igreja Santo Antônio possui uma importância histórica, arquitetônica, cultural, religiosa e social inigualável, sendo vital para os potiguares a preservação deste valioso exemplar. É imprescindível que os representantes políticos e a comunidade local se unam para protegê-lo, garantindo que as as futuras gerações possam conhecer a nossa história através da belíssima arquitetura deste templo. Afinal, defender o patrimônio histórico de um local é defender a identidade de um povo.
FONTES:
CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: RN econômico, 1999. 496p.
MARIZ, Marlene da Silva; SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão. História do Rio Grande do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2002. 403 p.
MEDEIROS, Tarcísio. Aspectos Geopolíticos e antropológicos da história do Rio Grande do Norte. Natal: Imprensa Universitária, 1973. 276 p.
MEDEIROS, Tarcísio. Estudos de História do Rio Grande do Norte. Natal: Tipografia Santa Cruz, 2001.272p.
NESI, Jeanne Fonseca Leite. Caminhos de Natal. 2. ed. Natal: IPHAN, 2020. 125 p.