O Hotel Internacional Reis Magos foi o pioneiro do estilo modernista do estado. Localizado na Avenida Café Filho e de frente para a Praia do Meio, este hotel ajudou a expandir o turismo do Rio Grande do Norte, abrigando hóspedes célebres e sediando eventos importantes nacionais e internacionais. Construído por iniciativa pública, a belíssima edificação, com sua volumetria imponente, permeabilidade e curvas, representava a expansão e modernização do estado na década de 60. Alguns anos após ser concedido à iniciativa privada, a edificação foi fechada no ano de 1995, permanecendo desta forma até 2020, ano de sua demolição. A destruição deste belíssimo exemplar da arquitetura moderna do RN gerou grande debate e comoção na população, mas infelizmente sucumbiu à especulação imobiliária e interesses. Atualmente, o terreno encontra-se aplanado, sem qualquer projeto ou previsão de obra. O Hotel Reis Magos é mais um exemplo de destruição do nosso patrimônio histórico e é para relembrarmos sua importância arquitetônica e a importância do debate gerado entorno do mesmo que este belíssimo exemplar da arquitetura potiguar é o tema da Quinta Potiguar de hoje.
A ideia da construção do Hotel Internacional Reis Magos (HIRM) surgiu no início da década de 1960, diante do desenvolvimento urbano e da valorização do turismo em Natal alavancado pela criação da Superintendência de Desenvolvimento para o Nordeste (SUDENE) e posteriormente pela Superintendência de Hotéis e Turismo (SUTUR). Desta forma, em 1963, o Governador do Estado do Rio Grande do Norte Aluízio Alves contratou o conceituado Escritório Técnico de Arquitetura e Urbanismo (ETAU) comandado pelos arquitetos pernambucanos Waldecy Pinto, Antônio Didier e Renato Torres, para o desenvolvimento do projeto do hotel com um prazo curtíssimo de apenas dois meses. Assim, o terreno foi escolhido estrategicamente na Avenida Café Filho, que “[...] tinha como objetivo intensificar o uso daquele trecho da Praia do Meio, tanto por moradores como por turistas [...]” (Souza, 2015) e a construção da edificação foi totalmente financiada por recursos públicos. Em 7 de setembro de 1965, foi inaugurado o HIRM com a presença de ilustres personalidades potiguares, se tornando um local refinado para realizações de eventos nacionais e internacionais e hospedagem luxuosa de personalidades como presidentes da república, artistas consagrados e seu mais famoso hóspede, o ídolo Pelé juntamente com seu time do Santos. O hotel também teve destaque nacional por causa de sua belíssima arquitetura e influência do “modernismo pernambucano”, culminando no título de ícone do modernismo nordestino. Posteriormente, em 1977, o grupo Hotéis Pernambuco adquiriu a edificação por meio de uma concorrência pública 001/1977 sob a condição contratual de manter a edificação como hotel de categoria internacional. Contudo, pouco menos de 20 anos depois, o hotel foi fechado e, apesar dos donos comunicarem um fechamento temporário, este permaneceu abandonado desde então.
No ano de 2009 o governo do estado renegociou uma dívida milionária do grupo Hotéis Pernambuco, sob a condição de recuperação da estrutura do hotel pela empresa. Porém, apesar de um projeto de restauração e reuso ter sido entregue à Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal, este acordo nunca foi cumprido por parte do grupo. No ano de 2013, foi anunciada pelo grupo a demolição da edificação, o que culminou em grande reação da população para defender este patrimônio histórico potiguar. O debate teve grande destaque na capital, de um lado várias instituições de conhecimento técnico e profissional na área de preservação e salvaguarda de edificações históricas, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Instituto dos Amigos do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (IAPHAC), a promotoria do estado, o Instituto dos Arquitetos no Brasil (IAB), o movimento [R]Existe Reis Magos, entre outros que tinham como objetivo a “[...] defesa da conservação e reutilização da estrutura deste importante patrimônio modernista do nordeste brasileiro [...] por meio de sua reutilização e incorporação à dinâmica da cidade contemporânea, [...] buscando compreender a cidade que queremos e o patrimônio cultural que representa a cidade de Natal” (Dantas, Nascimento e Vieira-de-Araújo, 2014). Do outro lado encontrava-se o Grupo Hotéis Pernambuco, a especulação imobiliária, empresários e a Prefeitura de Natal, liderada pelo prefeito Álvaro Dias, que chegou a declarar publicamente sobre a edificação que “[...] esse monstrengo, essas ruínas, não se coadunam com a cidade, apenas atrasam e enfeiam a orla marítima, e por isso, deve ir ao chão, deve ser demolido para permitir o progresso, o desenvolvimento” (Falas de Álvaro Dias in Erys e Lemos, 2020). Sendo estas falas problemáticas, que espalharam para a população inverdades, pois aqui no Quinta Potiguar nós já vimos que a restauração não é contraria ao progresso ou o desenvolvimento e sim uma aliada à ambas, além de que a edificação de arquitetura única e histórica não se encontrava em estado ruinas como afirmado, pois, apesar de estar em um estado crítico de conservação, seus traços modernistas e suas principais características resistiam ao tempo. Infelizmente, mesmo após diversas manifestações da população, apresentação de propostas de restauro e reuso da edificação, processos de tombamento da edificação histórica na instância municipal, estadual e nacional e da opinião dos órgãos verdadeiramente competentes no âmbito de preservação e salvaguarda do patrimônio arquitetônico, a edificação foi demolida em janeiro de 2020. Atualmente, quase dois anos após, o terreno permanece vazio, sem qualquer planejamento para novas construções.
A edificação foi projetada no estilo modernista, tendo influência principalmente do ‘estilo pernambucano’. Este estilo é marcado pela modernidade dos traços, curvatura, volumes definidos, o uso do concreto, permeabilidade e adaptação ao clima e cultura local, como a utilização de cobogós, entre outros. No Rio Grande do Norte este estilo arquitetônico se popularizou tardiamente na década de 50 e infelizmente, por ter apenas 70 anos de existência no estado, a população possui dificuldade de compreensão desta arquitetura como patrimônio histórico e estas edificações em sua maioria “[...] encontram-se em estado de deterioração ou sofrem modificações que reduzem seu valor arquitetônico, sem que haja qualquer proteção ou intervenção por parte de instituições e órgãos públicos.” (Souza, 2015) Como exemplo temos o próprio Hotel Reis Magos, além do belíssimo Estádio do Machadão que representavam em sua arquitetura um período na história da cidade, mas que foram apagados cruelmente. Para um bom entendimento arquitetônico da edificação do Hotel Reis Magos é necessário destacar a presença de três volumes prismáticos bem definidos, curvatura leve 'serpenteada' no volume principal dos quartos, forma retangular no volume da área de lazer e cilíndrica na caixa de escadas e elevadores, recuos frontal e de fundo amplos, integração dos quartos, através das enormes esquadrias, com a praia, permeabilidade com o uso de pilotis e cobogó, a utilização do concreto, cobertura plana não aparente, encoberta por platibanda reto e sem adornos, rampa de acesso principal.
Em suma, o Hotel Reis Magos é um exemplo do descaso dos órgãos públicos e empreendedores com seu patrimônio arquitetônico e histórico, principalmente com as edificações modernistas. A demolição desta edificação apagou definitivamente um marco deste estilo arquitetônico do Rio Grande do Norte e um exemplar belíssimo da história potiguar da década de 60. Mesmo com o alerta incessante de órgãos e profissionais competentes de que este hotel possuía significado importantíssimo em seus traços, a edificação foi destruída por causa especulação imobiliária e ganância de empresários, assim como diversas edificações em nosso estado. Para que isso não ocorra mais, é necessário levantar o debate para que nós nunca esquecemos deste belíssimo exemplar e valorizemos as edificações que ainda temos. PRECISAMOS VALORIZAR O NOSSO PATRIMÔNIO!!
FONTES:
DANTAS, George Alexandre Ferreira; NASCIMENTO, José Clewton do; VIEIRA-DE-ARAÚJO, Natália Miranda. O cavalo de batalha moderno: [r]existências, debates e possibilidades em torno do caso do hotel internacional reis magos. Revista Cpc, [S.L.], n. 22, p. 37, 26 dez. 2016. Universidade de Sao Paulo, Agencia USP de Gestao da Informacao Academica (AGUIA). http://dx.doi.org/10.11606/issn.1980-4466.v0i22p37-69
SOUZA, Heloisa Silva Solino de. Centro Reis Magos de Cultura e Educação: projeto de requalificação de exemplar modernista. 2015. 81 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/36968/10/CentroEduca%C3%A7%C3%A3o_Souza_2015.pdf . Acesso em: 27 ago. 2021.
G1/RN. Demolição do Hotel Reis Magos é concluída em Natal. G1 RN, Rio Grande do Norte, 26 jan. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2020/01/26/demolicao-do-hotel-reis-magos-e-concluida-em-natal.ghtml . Acesso em: 27 out. 21.
ERYS, Leonardo; LEMOS, Douglas. Hotel Reis Magos começa a ser demolido em Natal; veja vídeo. G1 Rn, Rio Grande do Norte, v. 1, n. 1, p. 1-1, 08 jan. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2020/01/08/hotel-reis-magos-comeca-a-ser-demolido-em-natal.ghtml . Acesso em: 27 out. 2021.
CAU/RN. Justiça Federal proíbe demolição do Hotel Reis Magos; multa chega a R$5 milhões. CAU/RN, Rio Grande do Norte, s.d. Disponível em: https://www.caurn.gov.br/?p=6901 . Acesso em: 27 out. 2021.
AGRA, Lara. Terreno do Hotel Reis Magos ainda tem destino incerto após um ano da demolição. Rádio 98Fm, Natal, 08 jan. 2021. Disponível em: https://98fmnatal.com.br/um-ano-apos-demolicao-destino-de-terreno-do-hotel-reis-magos-ainda-e-incerto/. Acesso em: 28 out. 2021.
CARVALHO, Ícaro. Terreno do Hotel Reis Magos espera Plano Diretor de Natal. Tribuna do Norte, Natal, 08 out. 2021. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/terreno-do-hotel-reis-magos-espera-plano-diretor-de-natal/522616 . Acesso em: 28 out. 2021.
BARBOSA, Marcos. Entidades assinam nota pública contra derrubada do Hotel Reis Magos em Natal (RN): texto é em resposta a pressão da prefeitura contra o governo do rn, para adiantar a destruição do patrimônio. Brasil de Fato: Uma visão popular do brasil e do mundo, Natal, 06 nov. 2019. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/11/06/entidades-assinam-nota-publica-contra-derrubada-do-hotel-reis-magos-em-natal-rn. Acesso em: 28 out. 2021.
BARBOSA, Marcos. Com processos em aberto, destino do Hotel Reis Magos em Natal (RN) segue indefinido. Brasil de Fato: Uma visão popular do brasil e do mundo, Natal, 28 ago. 2019. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/08/28/com-processos-em-aberto-destino-do-hotel-reis-magos-em-natal-rn-segue-indefinido. Acesso em: 27 out. 2021.
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