Com uma arquitetura colonial rural marcante, o Engenho Cunhaú foi construído em 1604, sendo o primeiro do Rio Grande do Norte. Localizado no município de Canguaretama, a história do engenho é riquíssima, pois representa o início da expansão do cultivo da cana-de-açúcar no nosso estado e foi na Capela Nossa Senhora das Candeias no engenho, que aconteceu o triste Massacre de Cunhaú durante a invasão holandesa. O Engenho pertenceu à família Albuquerque Maranhão pela maior parte de sua história e neste período foi um grande centro de produção agrícola do estado, possuindo uma disposição de edificações tipicamente colonial em seu terreno. Em 1806, o engenho pertenceu a André Albuquerque Maranhão, revolucionário da Revolução Republicana de 1817. No ano de 1964 foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e posteriormente passou por obras de restauro. Existem divergências dos historiadores quanto a ordem das construções no terreno, reformas nas edificações, o restauro feito após o tombamento e modificações no local, mas independente disso, sua história de mais de 400 anos é extremamente valiosa para o nosso RN e deve ser preservada e apreciada. Por isso, o Engenho Cunhaú foi selecionado como tema de hoje do Quinta Potiguar.
A história do Engenho Cunhaú começou em 1604 quando os filhos de Jerônimo de Albuquerque Maranhão, Antônio e Matias Albuquerque Maranhão, tomaram posse das terras. Com a exploração da cana-de-açúcar, o engenho se tornou centro de poder paralelo ao da capitania. A localização no vale do Cunhaú, tinha a seu favor "[...] os rios que facilitavam a locomoção de pessoas e mercadorias para Pernambuco." (Galvão, 2004) Com a invasão holandesa em 1631, o engenho foi confiscado e vendido em 1637 (Lyra, 2017), mas foi em 1645 que ocorreu o Massacre de Cunhaú, onde o alemão Jacob Rabi e aproximadamente 500 soldados holandeses e índios atacaram fieis durante uma missa de domingo na Capela Nossa Senhora das Candeias. Este episódio marcou a história do Rio Grande do Norte e é lembrado pela Igreja Católica até os dias atuais como provação da fé de um povo. No ano 2000, as vítimas do Massacre de Cunhaú foram beatificadas pelo Vaticano, sendo os primeiro Protomártires do Brasil, já em Outubro de 2017, foram canonizadas pelo Papa Francisco.
Existem divergências quanto ao local exato da capela na época do massacre, oficialmente consideram a Capela Nossa Senhora das Candeias como sendo palco do ataque de Jacob Rabi contra os fiéis, mas de acordo com estudos posteriores, como o realizado pelo turismólogo Thiago Oliveira (2020), acredita-se que as primeiras construções do engenho foram feitas de taipa de pilão e a capela original estava localizada junto à casa grande. Desta forma, a atual teria sido construída apenas em 1647 por Matias Albuquerque de Maranhão (Oliveira e Maia). Uma grande prova desta teoria é a pintura feita pelo artista Frans Post em 1643, onde é possível ver as construções coladas umas nas outras e feitas de taipa. De qualquer forma, o Massacre de Cunhaú ocorreu nas terras do Engenho Cunhaú e jamais serão esquecidas.
Em 1806, o engenho pertenceu a André Albuquerque Maranhão, revolucionário da Revolução Republicana de 1817, que posteriormente foi morto no Forte dos Reis Magos neste mesmo ano. A partir de 1835, a capela do Engenho Cunhaú teve seus elementos arquitetônicos, como o cruzeiro de ferro, o sino de ouro e o telhado, vendidos para outros locais, até ser quase totalmente destruída em 1896 (Oliveira e Maia). Em 16 de junho de 1964 a edificação da capela foi tombada pelo IPHAN, que descreve: "[...] Da capela do Engenho de Cunhaú, construída com tijolos cozidos, batentes e cornijas de pedra lavada, restaram as paredes laterais, a parede de fundo. As paredes laterais da capela-mor possuem seteiras. Na parede do retábulo resta o nicho em arco." (IPHAN, 1964)
Como descrito pelo IPHAN, a capela encontrava-se em ruínas na época de seu tombamento e o restauro feito em 1985 levantou o questionamento entre historiadores e arquitetos sobre a validade da reconstrução do templo que já encontrava-se destruído. Nessa ocasião, vários profissionais defendiam a conservação de suas ruínas na forma com que foram tombadas, apenas protegendo-as do sol e da chuva. Entretanto, o IPHAN optou pela reconstrução do templo, o que vai de encontro ao princípio de falso histórico defendido pelo crítico italiano e mestre do restauro, Cesare Brandi, na qual fala: "[...] “A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo” sendo necessário “limitar-se a desenvolver as sugestões implícitas nos próprios fragmentos ou encontráveis em testemunhos autênticos do estado originário” (BRANDI, 2005) Isto é, de acordo com Brandi, reconstruir como "original" um monumento que se encontra já em ruínas é "falsificar" a história daquela edificação, pois é impossível se refazer o antigo com a mentalidade de outra época, principalmente com materiais e técnicas diferentes. De acordo com Spencer (2010) "[...] foi praticamente reconstruída sobre as ruínas de sucessivas reformas da capela original, da qual não há nenhum suporte iconográfico que possa ter servido de guia à reconstrução.
Apesar das polêmicas envolvendo obras de restauro no local, o Engenho Cunhaú possui uma importância histórica e arquitetônica imensurável para o Rio Grande do Norte, pois inaugurou a exploração da cana-de-açucar, foi palco de um importante evento histórico, pertenceu à importantes figuras do nosso estado e hoje é um importante polo turístico. Sua obras de restauro são parte de sua trajetória pelo tempo de mais de 400 anos e estas merecem ser preservadas, prestigiadas e visitadas. O sitio histórico do Engenho Cunhaú é patrimônio importantíssimo do Rio Grande Norte, pois conta em suas linhas a nossa história, VAMOS PRESERVAR NOSSO PATRIMÔNIO.
Fontes:
Livros:
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. 2. ed. Cotia, Sp: Ateliê Editorial, 2005.
Teses e Monografias:
GALVÃO NETO, Francisco Alves. O ENGENHO CUNHAU: uma história de conflitos políticos no litoral sul (1604-1857). 2004. 82 f. Monografia (Especialização) - Curso de História, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2004. Disponível em: http://edufrn.ufrn.br/bitstream/123456789/132/5/O%20ENGENHO%20CUNHA%C3%9A-UMA%20HIST%C3%93RIA%20DE%20CONFLITOS%20POL%C3%8DTICOS%20NO%20LITORAL%20SUL%201604-1857.%20FRANCISCO%20ALVES%20GALV%C3%83O%20NETO.pdf . Acesso em: 23 mar. 2021
OLIVEIRA, Thiago Antonio de. ENTRE RUÍNAS E SOTERRAMENTO!?: uma biografia da capela defronte e a contígua do engenho cunhaú. 2020. 95 f. TCC (Graduação) - Curso de Tecnologia em Gestão do Turismo, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Canguaretama, 2020. Disponível em: https://memoria.ifrn.edu.br/bitstream/handle/1044/1960/ENTRE%20RU%c3%8dNAS%20E%20SOTERRAMENTO.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em: 23 mar. 2021
SPENCER, W. B. Ecos de silêncio! A memória indígena recusada. 2000. 155p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. (Mestrado) -UFPb – C
Sites:
EVANGELIZAR, TV. FÉ NA ESTRADA | CAPELA DE NOSSA SENHORA DAS CANDEIAS | CANGUARETAMA - RN [CC]. Canguaretama, 04 mar. 2018. Youtube: TV Evangelizar. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EUqfrFm-N-w . Acesso em: 23 mar. 2021.
G1 (Rio Grande do Norte). Conheça a história dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu, no RN. G1, RN, 02 out. 2013. Disponível em: http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/10/conheca-historia-dos-martires-de-cunhau-e-uruacu-no-rn.html . Acesso em: 23 mar. 2021
GIOVANNI, Bruno. RN celebra 370 anos dos Mártires de Cunhaú. Blog do Bg, Natal, v. 1, n. 1, p. 1-1, 13 jul. 2015. Disponível em: https://www.blogdobg.com.br/rn-celebra-370-anos-dos-martires-de-cunhau/ . Acesso em: 23 mar. 2021.
LYRA, Anderson Tavares de. Não é permitido copiar textos deste blog :) http://www.historiaegenealogia.com/2017/05/engenho-cunhau-413-anos-de-historia.html: resumo histórico. História e Genalogia, Natal, v. 1, n. 1, p. 1-1, 02 maio 2017. Disponível em: http://www.historiaegenealogia.com/2017/05/engenho-cunhau-413-anos-de-historia.html#:~:text=Em%201630%20o%20Engenho%20Cunha%C3%BA,principal%20n%C3%BAcleo%20econ%C3%B4mico%20do%20RN.&text=No%20ano%20de%201625%2C%20alguns,terras%2C%20as%20v%C3%A1rzeas%20do%20Cunha%C3%BA. Acesso em: 23 mar. 2021
OLIVEIRA, T. A.; MAIA, M. M.. Indagações espaciais sobre a Casa Grande do Engenho Cunhaú. Coletivo Mestre Padre, Canguaretama. Disponível em: http://coletivomestrepadre.blogspot.com/2016/11/indagacoes-espaciais-sobre-casa-grande.html . Acesso em: 23 mar. 2021
Fotos:
NATAL DAS ANTIGAS. Capela de Cunhaú em Ruínas. Natal das Antigas, Natal, 14 out. 2019. Disponível em: https://www.nataldasantigas.com.br/blog/martires-de-cunhau-e-uruacu . Acesso em: 23 mar. 2021.
EMERENCIANO, Daltro. CANGUARETAMA CELEBRA FESTA DOS MÁRTIRES DE CUNHAÚ. Blog Daltro Emerenciano, Canguaretama, 08 jul. 2020. Disponível em: https://www.blogdedaltroemerenciano.com.br/2020/07/canguaretama-celebra-festa-dos-martires-de-cunhau/ . Acesso em: 23 mar. 2021.
Parabéns. E gostei muitíssimo das fontes. Sou o turismólogo Thiago Oliveira.
Quantas histórias ´de lutas contam nossas antigas construções... Parabéns Júlia por esse importante resgate. É preciso saber de onde viemos para planejarmos a rota de para onde vamos.